Esta é uma página de captura bilíngue salva pelo usuário em 2025-7-1 6:42 para https://app.immersivetranslate.com/pdf-pro/uploading/, fornecida com suporte bilíngue por Tradução Imersiva. Aprenda como salvar?
VALERIO MASSIMO MANFREDI ALÉXANDROS - VOLUME II - AS AREIAS DE AMON

As areias de Amon

Capítulo 1

Do topo da colina Alexandre virou-se para olhar a praia, para contemplar um espetáculo que, depois de mil anos, se repetia quase igual: centenas de navios encostados um ao lado do outro ao longo da costa, milhares e mais milhares de guerreiros, só que desta vez a cidade atrás dele, ĺlio, a herdeira da antiga Tróia, não se preparava para um longo cerco, mas, ao contrário, abria-lhe as portas para recebê-lo, ele que descendia tanto de Aquiles quanto de Príamo.
Viu os companheiros que montavam a cavalo para juntar-se a ele e esporeou Bucéfalo rumo à cidadela. Queria ser o primeiro a entrar, sozinho, no antiqüíssimo santuário de Atena llírica. Confiou o garanhão a um serviçal e passou pelo umbral do templo.
No interior, perdido na penumbra, reluziam formas incertas, objetos de contornos indefinidos, e precisou acostumar o olhar até então ofuscado pelo céu brilhante da Tróade, pelos raios do sol meridiano.
O antigo edifício estava cheio de relíquias, de armas que lembravam a guerra de Homero, a epopéia do cerco decenal em volta das muralhas erguidas pelos deuses. Sobre cada uma daquelas lembranças embaçadas pelo tempo uma dedicatória, uma inscrição: a cítara de Páris, as armas de Aquiles com o grande escudo historiado.
Olhou em volta, demorando-se em mirar aqueles cimélios que mãos invisíveis mantiveram reluzentes graças à devoção e à curiosidade dos fiéis ao longo dos séculos. Pendiam das colunas, das vigas do teto, das paredes da cela: mas o que havia de verdade? E o que era apenas fruto da astúcia dos sacerdotes, do seu desejo de lucro?
Percebia então que a única coisa verdadeira em toda aquela balbúrdia, que mais lembrava a confusão de objetos num mercado do que a decoração de um santuário, era a sua paixão pelo antigo poeta cego, a sua ilimitada admiração por heróis já reduzidos a cinzas pelo tempo e pelos inúmeros acontecimentos que se haviam consumado dos dois lados dos Estreitos.
Chegara de repente, assim como um dia seu pai chegara ao templo de Apolo em Delfos, e ninguém esperava por ele. Ouviu um passo leve e escondeuse atrás de uma coluna perto da estátua do culto, uma impressionante imagem de Atena esculpida na pedra, pintada, com armas de metal verdadeiro: era um simulacro rígido e primitivo cinzelado de um único bloco de granito, e os olhos de madrepérola sobressaíam de forma marcante naquele rosto enegrecido pelos anos e pela fumaça das chamas votivas.
Uma jovem vestindo um cândido peplo e com os cabelos presos numa touca da mesma cor aproximou-se da estátua segurando um baldezinho numa mão e uma esponja na outra.
Subiu no pedestal e começou a esfregar a esponja na superfície da escultura, espalhando sob a alta armação do teto um intenso e penetrante perfume de nardo e aloés. Alexandre aproximou-se dela sem fazer barulho e perguntou:
  • Quem é você?
A jovem estremeceu e deixou cair o pequeno balde que quicou no chão e rolou até encostar-se a uma coluna.
  • Não tenha medo - tranqüilizou-a o soberano. - Sou apenas um peregrino que deseja prestar homenagem à sua deusa. E você, quem é, como se chama?
  • O meu nome é Dáunia e sou uma escrava sagrada - respondeu a jovem, atemorizada pela aparência de Alexandre que nada tinha a ver com a de um mero peregrino. Sob o seu manto via-se o brilho de couraça e caneleiras e, quando se movia, ouvia-se o barulho do cinturão de malha metálica que roçava no peitoral.
  • Uma escrava sagrada? Não parece. Tem traços bonitos, de aristocrata, e um olhar bastante altivo.
  • Talvez esteja acostumado a ver as escravas sagradas de Afrodite: antes de sacras, elas são apenas escravas, escravas da libertinagem dos homens.
  • E você não? - perguntou Alexandre, pegando para ela o balde no chão.
  • Eu sou virgem. Como a deusa. Já ouviu falar da cidade das mulheres? Foi de lá que eu vim.
O sotaque dela era bem diferente, e o soberano nunca o ouvira antes.
  • Nem sabia que existia uma cidade das mulheres. Onde fica?
  • Na Itália. Chama-se Lócri, e tem uma aristocracia somente feminina. Foi fundada por cem famílias, todas descendentes de mulheres que haviam fugido da Lócrida, a sua pátria de origem. Haviam ficado viúvas dos seus maridos e contam que se uniram aos seus escravos.
  • E como é que chegou aqui, a um país tão longínquo?
  • Para expiar uma culpa.
  • Uma culpa? E que raio de culpa pode ter cometido uma mulher tão jovem?
  • Eu não. Foi Ajax Oileu, o nosso herói nacional, que há mil anos na noite em que Tróia caiu, estuprou aqui mesmo a princesa Cassandra a filha de Príamo, no pedestal que segurava o sacro Paládio, a milagrosa imagem de Atena caída do céu. Desde então os locreses pagam este sacrilégio com a entrega de duas jovens da melhor sociedade, que ficarão um ano inteiro como escravas no templo da deusa.
Alexandre sacudiu a cabeça como se não pudesse acreditar em seus próprios ouvidos. Olhou em volta enquanto lá fora o calçamento de templo ressoava com o tropel de vários cavalos: os seus companheiros haviam chegado.
Naquela mesma hora entrou um sacerdote que se deu imediatamente conta de quem estava na sua frente e inclinou-se numa obsequiosa mesura.
  • Seja bem-vindo, poderoso senhor. Sinto muito que não nos tenha avisado da sua vinda: teríamos organizado uma recepção bem diferente. - E fez um sinal para que a jovem saísse. Alexandre, porém, mandou-a ficar.
  • Eu prefiro assim mesmo, no entanto - afirmou. - Esta jovem contou-me uma história extraordinária, que nunca poderia ter imaginado. Ouvi dizer que neste templo estão guardadas as relíquias da guerra de Tróia. É verdade?
  • Sem dúvida. E esta imagem que está vendo é um Paládio: reproduz as feições de uma antiga estátua de Atena caída do céu, que tornava invencível a cidade que a possuía.
Naquele momento entraram Heféstion, Ptolomeu, Perdicas e Seleuco.
  • E onde está a escultura original? - perguntou Heféstion aproximando-se.